O diplomata e negociador Martti Ahtisaari (1937-2023) foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 2008 por suas realizações na promoção de resoluções de conflitos na Namíbia, nos Bálcãs, em Aceh e em outras regiões conturbadas.
Ao longo dos anos, o ex-presidente finlandês Martti Ahtisaari ajudou a resolver conflitos na África, Ásia e Europa. O seu trabalho incansável pela causa da paz foi recompensado com o Prémio Nobel da Paz de 2008.
Ahtisaari, que serviu como presidente da Finlândia de 1994 a 2000, recebeu mais publicidade em assuntos internacionais do que qualquer outro finlandês contemporâneo. Mais recentemente, apenas a ex-primeira-ministra Sanna Marin, que esteve no cargo de 2019 a 2023, alcançou tanta publicidade. Ao deixar o cargo, Ahtisaari fundou a iniciativa para gestão de crise Crisis Management Initiative (CMI), onde atuou como presidente do conselho.
Reputação extraordinária
Diplomatas, jornalistas e outras pessoas do círculo da informação consideravam Ahtisaari uma pessoa simples, acessível e atenciosa. Ele era muito querido no ambiente multicultural da ONU, por muitas pessoas de nacionalidades diferentes e em níveis diversos da hierarquia da organização.
Pragmático, como deve ser um bom mediador, ele aplicou o bom senso finlandês e um vocabulário claro em sua estratégia. Ele também sabia ser duro quando necessário e falava a verdade abertamente, mesmo que isso significasse prejudicar o ego de alguém.
Para garantir que todos os ângulos fossem considerados, ele era conhecido por empregar um método que envolvia dar aos seus assessores um assunto para discutir, depois ouvir e selecionar os ingredientes que poderiam ser transformados em uma proposta bem-sucedida.
De professor a diplomata
Martti Oiva Kalevi Ahtisaari nasceu em 1937, em Viipuri, uma cidade no Golfo da Finlândia que pertenceu à Finlândia até 1940, quando foi anexada pela então União Soviética. Após cumprir o serviço militar no final da década de 1950, Ahtisaari tornou-se professor e passou a lecionar em escolas na Finlândia e no Paquistão.
De 1965 a 1973, ele atuou no departamento de cooperação para o desenvolvimento internacional, do Ministério de Relações Exteriores da Finlândia. Em 1973, foi nomeado embaixador na Tanzânia, sendo que as suas atribuições incluíam também a Zâmbia, a Somália e o Moçambique.
Após essa época, segundo as declarações do Comitê Nobel da Noruega, ele passaria a “ser uma figura de destaque nos esforços de resolução de diversos conflitos sérios e de longa duração.” Na Tanzânia ele criou uma reputação de especialista em política africana.
A pedido de líderes africanos, o Secretário Geral das Nações Unidas o nomeou comissário das NU para a Namíbia, em 1977. No ano seguinte, tornou-se o representante especial do Secretário Geral para a Namíbia. Ao anunciar que Ahtisaari ganhara o Prêmio Nobel da Paz de 2008, o Comitê do Prêmio Nobel salientou que em 1989 e em 1990 ele desempenhou um papel significante no estabelecimento da independência da Namíbia.
O papel desempenhado por Ahtisaari no processo de independência da Namíbia consistiu em coordenar as posições frequentemente divergentes das NU, da África do Sul, da organização pró-independência da Namíbia, a SWAPO, do Ocidente e da União Soviética, enquanto elaborava um acordo que fosse aceitável para todas as partes envolvidas. Foram necessários muitos anos para que todas as peças do quebra-cabeça se encaixassem.
O desafio de Kosovo
Em 1999, sob circunstâncias notoriamente difíceis, Ahtisaari elaborou propostas para a resolução do conflito em Kosovo. Quando o genocídio instalou-se lá, os países membros da OTAN tentaram pressionar a Iugoslávia com uma ampla campanha de bombardeios. Só isto não seria suficiente e foram necessários esforços diplomáticos.
A tarefa consistia em obter a aprovação dos EUA, dos seus aliados na OTAN da Rússia e da Iugoslávia para um acordo que estabelecesse todas as suas exigências mínimas, evitando assim que qualquer uma das partes se sentisse indevidamente lesada. Desta vez o desafio durou apenas oito semanas, porém a curta duração o tornou ainda mais tumultuado.
No outono de 2005, Ahtisaari mais uma vez voltou as suas atenções para Kosovo. Ele liderou as conversações sobre o tópico, de natureza altamente complexa, que abordava o status futuro de Kosovo.
Aplacando Aceh
O Comité do Nobel recordou que, em 2005, Ahtisaari e a Crisis Management Initiative (CMI) foram fundamentais para a solução da complicada questão da candidatura da província indonésia de Aceh à independência. A CMI foi convidada a facilitar as conversações entre o governo indonésio e o Movimento Aceh Livre (GAM).
A primeira rodada de negociações, em verdade o primeiro encontro cara a cara das partes desde maio de 2003, foi realizada em Helsinque, em janeiro de 2005. Rodadas subsequentes de conversações foram realizadas em fevereiro, abril e maio.
A CMI então elaborou uma minuta de um Memorando de Intenção, que constituiu a base da quinta reunião em julho. O acordo foi assinado em 15 de agosto de 2005. A CMI também estava presente enquanto o mesmo era colocado em prática.
Os diversos lados de uma mesma estória
Ahtisaari também fez contribuições excepcionais para a resolução de conflitos no Iraque, na Irlanda do Norte, na Ásia Central e no Nordeste da África. É claro que as suas soluções para os problemas internacionais nem sempre agradaram a todos.
Suas propostas para o futuro estatuto de Kosovo incomodaram seus detratores particularmente. Ao fazer uma referência velada a essas questões, Yuri Deryabin, respeitado diplomatista russo e ex-Embaixador da Rússia na Finlândia, escreveu um artigo no jornal finlandês Kaleva, que Ahtisaari não fora agraciado com o Prêmio Nobel pelas negociações que presidiu com respeito a Kosovo.
Deryabin declarou que acreditava sinceramente no esforço de Ahtisaari para promover a paz em Kosovo, dizendo, ademais, que duvidava que os seus críticos houvessem sequer lido as propostas de Ahtisaari para a região. Ahtisaari havia proposto uma independência “condicional” para Kosovo, o que teria garantido amplos direitos para a minoria sérvia.
O valor da mediação
Entre as transações na Namíbia e em Kosovo, Ahtisaari ocupou os cargos de Sub-Secretário Geral das Nações Unidas para administração e gestão, Secretário de Estado no Ministério de Relações Exteriores da Finlândia e Presidente do Conselho do Grupo de Trabalho da Bósnia da Conferência Internacional das Nações Unidas sobre a antiga Iugoslávia.
Foi membro do conselho do EastWest Institute, com sede em Nova Iorque, bem como membro do grupo conjunto de conselheiros do Open Society Institute e das Fundações Soros, que operam em vários países. Ele atuou como presidente da Fundação Balcânica para Crianças e Jovens e do Conselho de Ação Global da Fundação Internacional da Juventude, bem como presidente do Conselho de Governo da Interpeace.
Até 2003, ele foi membro da diretoria do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA, na sigla em inglês) e, até 2004, presidente do conselho do International Crisis Group, com base em Bruxelas. No início de outubro de 2008, Ahtisaari foi também agraciado como o Prêmio da Paz da Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas – UNESCO.
O Prémio Nobel de Ahtisaari foi bem recebido na Finlândia, um país que dedica muita inteligência e dinheiro à causa da paz. O Comité Norueguês do Nobel referiu-se a ele como um excelente mediador internacional que demonstrou, através dos seus esforços incansáveis e bons resultados, o valor da mediação para trazer a paz aos conflitos internacionais.
Martti Ahtisaari morreu em 16 de outubro de 2023, aos 86 anos.
Por Joseph Brady e Peter Marten, atualizado em outubro de 2023